Cão vadio

Quisera eu,

ao menos ter o privilégio

em “comer do pão que o Diabo amassou”

pois, quem dele provou,

eu tenho plena certeza

de que a sua fome matou

 

Quisera eu,

ao menos ter “bosta no cu para cagar”

pois, quem a tem,

é muito certo que há pouco

tivera do que se alimentar

 

Quisera eu,

ao menos ter sido um dia

chamado de “Tássia”

“Tá se achando” pois, hoje em dia,

é considerado profissão,

praticada pela maioria dessa grande máfia

 

Quisera eu,

ter o privilégio em alimentar-me bem,

como o de comer um cobiçado ovo frito

E, depois dessa deliciosa refeição,

deitar-me para uma repousada digestão

e arrotar, não caviar,

mas o próprio bendito – ovo frito

 

Mas eu fiquei só na quimera

deste maldito “quisera”

de que um dia eu pudesse viver uma primavera,

cujas flores seriam a felicidade brotando de mim

 

Só que a dor perene em meu peito

que,de tão latente,

não me deixa dormir direito

e sempre me obriga

a chegar ao real conceito

de que o que eu vivo mesmo

não é passado nem futuro,

e sim um presente mais que perfeito

 

Eu, eu?

Eu,

ser inseguro,

demasiado impuro,

em que o estar em cima do muro

designa minha segurança

 

Eu,

ser da incerteza,

de pouca firmeza,

cujas singelas cartas, jogadas à mesa,

fazem-me ter uma leiga noção do que é certo

 

Eu,

ser ignorante,

de espantoso semblante,

engano-me a todo instante,

julgando-me de tudo eu saber

 

Eu,

ser subjetivo,

que sequer sei qual o conceito de substantivo,

fico a todo tempo dando uma de construtivo,

adjetivando-me eu bondosamente a mim mesmo

 

Eu,

ser desprovido de verdade,

com persuasiva argumentatividade,

faço eu de minha falaciosidade

o sentido do existir

 

Eu,

ser impensante,

pois penso que penso a todo instante,

e isso não chega ao mínimo montante

do que seja o pensar

 

Eu,

ser imperfeito,

fincado em um singular sujeito,

abro a minha boca e bato em meu peito,

ratificando que o essencial do ser é ser um ser variado

 

Eu…

Primeiro eu, sempre eu

Tudo eu, certo eu

Eu?

Não fui eu